Um Conto... Um Vazio... Uma "Lady" Em Cetim...

Faltavam alguns minutos para deixar o trabalho, já não concentrava sua atenção no que fazia, olhava atentamente para o ponteiro dos minutos que insistia em se arrastar.
Tudo que queria por hora era largar tudo, pois não conseguia terminar o que estava fazendo, melhor seria deixar para resolver amanhã, afinal nem era nada tão urgente assim. Faltando dois minutos para cumprir o seu horário, pegou sua bolsa, seu guarda-chuva e seu celular e foi embora. Estava atordoada por conta de pensamentos que lhe consumiam ao longo de quatro dias, por ele, aquele canalha, nem ao menos mandara uma mensagem, sempre a deixando cheia de dúvidas, perdida em várias possibilidades de por quês.
Pretendia chegar logo em sua casa, alimentar o gato era uma prioridade, pois não lembrava se já tinha feito antes de sair para trabalhar. Depois iria apenas tomar um banho e pensar na vida, pensar em como tudo era mais leve antes de se deixar seduzir, era isso que pensava indo de forma automática para casa. Lembrava de como tudo era mais simples antes, quando se julgava detentora das situações, quando estava no topo dos joguinhos românticos sem muita importância. Quantos homens imploravam por sua atenção, e ela se divertia como isso, rindo deles, enquanto se arrumava para mais um encontro com mais algum trouxa, que naquela noite não ganharia nada mais que um beijo, por vezes até merecido como prêmio pelos esforços por a entreter e mima-la. O objetivo sempre foi estar no comando, era um jogo simples em que indiretamente ela ditava as regras, não se importava em ser uma tirana. 
Se enrolando na toalha após o banho foi se perdendo em pensamentos, desejava tanto não ter conhecido aquele homem. Maldita hora que se viu intrigada para o pouco caso que ele fizera do seu decote e de seus outros atributos físicos que tanto a orgulhavam, capazes de fazer outros homens fissurarem nela. Bem antes de se envolverem, lembrou que teve uma época que chegou a passar pela sua cabeça a ideia de que ele possivelmente fosse gay, mas logo em seguida deixou de pensar nessa possibilidade, quando ouviu certa vez ao telefone dizer com um ar sacana para uma possível "pegueti", que "estava gostosa no último encontro".
No quarto vestiu uma calcinha e uma camiseta confortável que usava pra dormir, não pensava em sair mais de casa, era uma quinta feira a noite de clima ameno. O gato se lambia em cima da cama, enquanto ela passava um de seus muitos cremes. Mais pensamentos amargos lhe dominavam a mente, quando foi se dando conta de que ele fora o único homem que ela levara para dormir em sua cama, coisa que nunca se permitiu fazer isso com outro, sim, tinham transado. E pensar nisso a fazia infeliz, tamanho desdem da parte dele, daquele homem que fora uma das melhores fodas de sua vida. Não queria se deitar naquela cama que outrora fora um ninho de intensos prazeres, onde aquele cafajeste colecionou dela tantos orgasmos, que ela distribuía quase sem nenhum esforço, permitindo que ele tivesse acesso fácil na sua mais íntima e exclusiva entrega. Lembrava que era praticamente impossível dissimular até para si mesma o que ele causava, apenas se permitiu doar sem restrições. 
Apagou a luz ao sair do quarto e foi para cozinha, com seu gato miando, trançando um galope por entre suas pernas. Alimentou o pobre bicho, sentou-se, mordeu um pedaço de queijo, devolveu ao prato, pois a fome que sentia não era de comida. Reparou na meia garrafa de merlot em cima da pia, ao lado, uma taça suja de batom com resto de vinho, pensou em beber mas desconsiderou o vinho, porque para ela exigiria uma companhia, coisa que não teria naquela noite. Tinha que ser algo mais forte. Lembrou da garrafa de vodca, presente de algum admirador, que estava encostada no fundo do congelador, serviu com gelo ate um pouco mais da metade do copo e foi para sala, deixando seu gato no escuro terminar sua primeira refeição do dia. 
Nem ousou em ligar a televisão. Antes de sentar no seu sofá  foi ate a pratilheira de CDs que ficava ao lado de um monte bagunçado de livros, procurava por algum disco que a fizesse ajudar suportar melhor sua vodca misturada com sua recente amargura emocional. Na primeira fileira não encontrou nada que lhe agradou, até passar seus olhos pela parte de jazz, não pensou duas vezes retirou um pouco empoeirado, Lady In Satin, da Billie Holiday, essa seria sua trilha, nada mais perfeito para a angústia que estava sentindo. A melancolia cantada por aquela voz tão doída, somada a sua dor, era o que queria que imperasse naquele ambiente.
Acendeu uma luminária, pegou seu celular em uma última e  agonizante esperança dele tentar se comunicar e deixou ao lado de da bebida. Deitou no canto oposto a luz velada da luminária, ficando em parte na penumbra da sala, cobriu as pernas com um cobertor  que já ficava de prontidão em seu sofá, apertou o play no controle remoto do som, começando I'm A Fool To Want You.
Deu uma tragada forte tirando dois dedos da vodca em seu copo. O relógio no celular marcava 22h53, e estava infeliz, mas não conseguia chorar, apenas se perguntava sobre o que o afastara, o que ela tinha, ou não tinha?
E assim foi ate o fim do copo, que acabou antes da quinta música, restando apenas o gelo. Fixava seu olhar para janela a sua frente, via através dela pedaços de prédios distantes, e em maior parte a abóboda nublada da noite que cobria a cidade. Um pouco anestesiada pela vodca, ficou ali estática mirando o céu azul escuro e cinza, tentando encontrar em si mesma respostas para suas cruéis dúvidas que faziam tanto mal. Seus olhos foram pesando uma certa hora assim, caindo em um sono profundo, isso antes do disco terminar. 
Despertou com a claridade da manhã de um céu cinza, nublado e chuvoso, olhou para seu celular e o relógio cintilava 07h27, nenhuma chamada perdida, nenhuma uma mensagem, apenas a sua angústia permanecia ali com ela, companheira bem nauseante. Se deu conta de que a tristeza dominava ainda mais o seu interior. Foi então que as primeiras lágrimas lhe veio aos olhos. Várias outras começaram a rolar junto com as gostas de chuva que escorriam pelo vidro da janela do lado de fora. Era uma sexta feira, naquele dia ela não iria trabalhar, pois se sentia doente, perdidamente apaixonada!



Artur César        
23/08/2011


                                             Billie Holiday, Lady In Satin - I'm A  Fool To Want You